Normalmente, quando lemos alguma análise de ficção na internet nosso autor se exibe como fosse um especialista. Conhece os detalhes da obra, todo o universo envolto, nos aponta os easter eggs e tudo o mais. Todavia, falta certa ingenuidade, sim a ingenuidade do espectador comum, que ao recorrer a uma obra de entretenimento não tem em sua retaguarda toda a preparação de anos de introdução e estudo no universo ficcional em questão, e no mais das vezes nem tem a paciência ou o interesse em adquirir tal “cultura inútil”.
É com base nesta “ingenuidade” de principiante que discorro neste texto a respeito de duas obras ficcionais, cujo único elo de ligação é o fato de eu as ter assistido no mesmo fim de semana.
Começo com Blade Runner 2049, um experiência estética alucinante e um roteiro interessantíssimo. O leitor sem dúvida esperaria uma comparação com o primeiro filme, produzido do século passado, mas na época em que assisti, não me encantou, e não fui além dos 20 minutos iniciais. De todo o modo, gostei muito deste novo filme, a trama de fundo nos mostra o drama existencialista a respeito dos replicantes: teriam tais seres algo como uma alma? Como o filme coloca sua origem na engenharia genética, para além de meras máquinas, tais criaturas seriam quimeras humanas, e de fato, possuiriam uma alma. No entanto, nem humanos, nem replicantes comportam-se de modo “humano”. Enquanto o humano Wallace sofre de fantasias gnósticas e uma soberba absurda de querer equipar-se a Deus, os pobres e escravizados replicantes não hesitam (spolier a seguir) em manipular as memórias e sentimentos de “K”, reduzindo-o ao papel de mero fantoche descartável no contexto da luta de libertação replicante. Neste universo amalucado, a única manifestação de humanidade vem de um programa de computador: Joi, uma “waifu” virtual programada para satisfazer as necessidades afetivas do consumidor. Um programa de computador criado para simular as emoções humanas consegue ser mais humano, a ponto de sacrificar-se e importar-se com alguém, do que os próprios humanos, e mesmo os replicantes que procuram afirmar sua alma, sua humanidade. Isso não faz pensar o quão merda nos tornamos? Como nos desumanizamos, por vezes com a desculpa (ou máscara) de uma “boa causa”?
É com base nesta “ingenuidade” de principiante que discorro neste texto a respeito de duas obras ficcionais, cujo único elo de ligação é o fato de eu as ter assistido no mesmo fim de semana.

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Devaneios demais? Talvez, mas há gente que insiste em citar Freud pra falar dos filmes de Scorsese…
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Ao fim, ambos os filmes são bons, arte no sentido estrito do termo, levantam questões interessantes, convidam o espectador para uma reflexão além do ordinário, e não oferecem respostas fáceis; o que torna uma experiência bem mais interessante do que o cine-doutrinação tão comum hoje em dia...
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