
"Aquelle, que diz que está nelle, deve também ele mesmo andar, como elle andou. (1Jo 6,11)"
"Aquelle, que diz que está nelle, deve também ele mesmo andar, como elle andou. (1Jo 6,11)"
Que tipo de julgamento, se aplica, então a uma obra de arte? Creio que há quatro padrões básicos:
- Excelência técnica;
- Validade;
- Conteúdo intelectual, a cosmovisão que está sendo comunicada;
- Integração entre conteúdo e veículo.
Discutiremos a excelência técnica em relação à pintura, pois com ela é mais fácil demonstrar o que queremos dizer. Consideramos aqui o uso da cor, da forma, do tom, a textura da tinta, o manuseio das linhas, a unidade da tela e assim por diante. Em cada um desses aspectos pode haver vários graus de excelência técnica. Ao reconhecer a excelência técnica como um aspecto de uma obra de arte, podemos ser capazes de dizer que, ainda que não concordemos com a cosmovisão de um determinado artista, não obstante, ele é um grande artista.Não estaremos sendo verdadeiros com um artista como pessoa se desprezarmos sua arte simplesmente porque discordamos de seu ponto de vista. Escolas cristãs, pais cristãos e pastores cristãos têm se afastado de muitos jovens exatamente por causa disso. Porque escolas, pastores e pais têm deixado de fazer distinção entre excelência técnica e conteúdo, grande parte das obras de arte de qualidade tem sido rejeitada com escárnio e chacota. Em vez disso, se o artista tiver alto nível de excelência técnica, ele deve ser reconhecido, ainda que discordemos de sua cosmovisão. As pessoas devem ser tratadas de maneira justa. Portanto, a excelência técnica é um critério importante.O segundo critério é a validade. Aqui questionamos se um artista é honesto consigo mesmo e com sua cosmovisão ou se faz arte apenas por dinheiro ou para ser aceito. Se o artista produz uma obra de arte somente por causa de um cliente - seja esse cliente um veterano ilustre, ou uma moderna galeria de arte à qual ele deseja ter acesso, ou os atuais críticos de arte - m então seu trabalho não tem validade.Para tomar o conceito mais real, vejamos o que acontece na arte da pregação. Há muitos pastores cujo trabalho não tem validade. Alguns pregam por ganho material e outros para serem aceitos por suas congregações. É muito fácil agir de acordo com a plateia, ajustando o que se diz ou como se diz a fim de produzir o tipo de efeito mais benéfico ao próprio pregador. E quando essa questão é em relação ao evangelho, a influência da desonestidade se torna especialmente clara.Podemos pensar nos dramaturgos cujo futuro está nas mãos dos críticos do momento. Quando se trata de teatro, arte, música e cinema, há um grupo de críticos de Nova York e Londres que podem promover ou condenar o artista. Como é fácil divertir-se com a crítica e não considerar a arte de alguém como expressão sincera do que o próprio artista quer fazer.O terceiro critério para o julgamento de uma obra de arte é seu conteúdo, que reflete a cosmovisão do artista. No caso dos cristãos, a cosmovisão comunicada por meio da arte precisa ser vista sob a ótica das Escrituras. A cosmovisão do artista não pode ser isenta do julgamento da Palavra de Deus. Nesse sentido, o artista é como o cientista. Um cientista pode até usar uma bata branca e ser considerado uma autoridade pela sociedade, mas quando suas afirmações se chocam com o que Deus nos apresenta nas Escrituras, elas ficam submetidas à autoridade definitiva de sua Palavra. Um artista até pode usar um avental de pintor e ser praticamente venerado; entretanto, uma vez que seu trabalho mostra sua cosmovisão, ele deve ser julgado à luz da cosmovisão cristã.Creio que agora já conseguimos perceber como é possível fazer tais julgamentos em relação à obra de arte. Se, como cristãos, paramos diante de uma tela e reconhecermos que seu autor é um grande artista em excelência técnica e validade - se de fato ele o for - , e se tivermos sido justos com ele como pessoa e como artista, então teremos a possibilidade de afirmar que sua cosmovisão é errada. Podemos julgar sua visão com o mesmo critério com que julgamos as visões de qualquer pessoa - um filósofo, um cidadão comum, um trabalhador braçal, um empresário ou qualquer outro.Sejamos mais específicos. A noção de liberdade boêmia de Jean Jacques Rousseau promulgou e que tem sido tão prevalecente na sociedade moderna não têm espaço no pensamento cristão. Rousseau buscava um tipo de liberdade autônoma e, a partir dele, surgiu um grupo de "super-homens" cujas vidas foram vividas acima da razão e das normas da sociedade. Por muito tempo essa vida boêmia foi considerada a ideal para o artista e, nas últimas décadas, passou a ser considerada ideal para outros além dos artistas. Entretanto, do ponto de vista cristão, esse tipo de vida não é permitido. A Palavra de Deus rege a vida dos grandes e dos pequenos homens, dos cientistas e das pessoas comuns, dos reis e dos artistas.Alguns artistas podem não saber que estão conscientemente comunicando uma cosmovisão. Porém, as cosmovisões se manifestam. Mesmo os trabalhos concebidos sob o princípio da arte pela arte geralmente expressam uma cosmovisão. Mesmo a cosmovisão que diz não existir significado transmite uma mensagem. Seja como for, esteja o artista consciente da cosmovisão ou não, se ela estiver presente, deve ser submetida ao julgamento da palavra de Deus.Há um corolário neste terceiro critério. Precisamos perceber que, quando algo falso ou imoral é expresso por meio de uma arte de alta qualidade, isso pode ser mais destrutivo e devastador do que se fosse comunicado por meio de uma arte de qualidade inferior ou de uma afirmação prosaica. Muito da arte bruta, um produto comum das comunidades hippies e da imprensa alternativa, é carregada de mensagens destrutivas; porém sua qualidade é tão baixa que acaba não tendo muita força. Contudo, quanto maior for a expressão artística, tanto mais importante é que ela seja conscientemente submetida - juntamente com a sua cosmovisão - ao julgamento de Cristo e da Bíblia.Entretanto, a reação comum entre muitos é justamente inversa. Muitos parecem achar que, quanto maior a qualidade da arte, tanto menor deve ser a nossa crítica à sua cosmovisão. Precisamos reverter isso.Um exemplo do efeito devastador da arte de alta qualidade com conteúdo não-cristão ocorre no zen-budismo. No zen-budismo o mundo é nada, o ser humano é nada, tudo é nada; porém, a poesia zen diz isso de forma bonita, muito mais bonita do que a imprensa alternativa o faz. A imprensa alternativa frequentemente declara que o ser humano é nada, que o mundo é nada, que nada é nada, mas faz isso usando palavrões. E as pessoas pensam que, se essa mensagem fosse dita com um pouco mais de beleza, talvez seria relevante. Então surge o zen-budismo como uma forma elevada de arte e apresenta essa mensagem com beleza. E perdemos duas vezes.Há um segundo corolário relacionado ao julgamento do conteúdo de uma obra de arte: é possível que um escritor ou pintor não-cristão escreva ou pinte de acordo com uma cosmovisão cristã ainda que ele mesmo não seja cristão. Para compreendermos isso, precisamos distinguir os dois sentidos da palavra cristão. O sentido primário e essencial define uma pessoa que aceitou a Cristo como seu Salvador para o reino de Deus, por meio do novo nascimento. Contudo, se um grupo de pessoas são realmente cristãs, elas expressam um tipo de consenso que existe para além delas mesmas, e, às vezes, pessoas que não são cristãs pintam e escrevem dentro da estrutura desse consenso, mesmo não sendo indivíduos genuinamente cristãos.Há, portanto, quatro tipos de pessoas na esfera da arte. O primeiro tipo é o indivíduo nascido de novo, que escreve e pinta dentro de uma cosmovisão plenamente cristã. O segundo é o não-cristão que expressa sua própria cosmovisão não-cristã. O terceiro é o indivíduo que não é pessoalmente cristão, mas que escreve ou pinta com base no consenso cristão pelo qual foi influenciado. Por exemplo, em outra área, se me perguntassem se Benjamin Franklin ou Thomas Jefferson eram pessoalmente cristãos, a resposta conforme pode-se julgar com base no que disseram, seria não. Entretanto, eles produziram algo que possuía algum tipo de fundamentação cristã porque se basearam no consenso cristão da Lex Rex de Samuel Rutherford. Portanto, a partir de uma estrutura cristã, Jefferson e Franklin puderam escrever que as pessoas possuem certos direitos inalienáveis - uma noção derivada de uma cosmovisão particularmente cristã.O quarto tipo de pessoa é o cristão, nascido de novo, que não compreende o que uma cosmovisão cristã plena deve se e, portanto, produz arte que incorpora uma cosmovisão não-cristã. Em outras palavras, da mesma maneira que é possível o não- cristão ser inconsciente e pintar o mundo de Deus apesar de sua filosofia pessoal, também é possível o cristão ser inconsistente e incorporar em suas pinturas uma cosmovisão não-cristã. Esse último tipo talvez seja o mais triste de todos.O quarto critério para julgar uma obra de arte envolve o quão bem o artista adequou o veículo a mensagem. Nas obras de arte verdadeiramente grandiosas, há uma correlação entre o estilo e o conteúdo. A arte superior encaixa o veículo usando à cosmovisão que está sendo representada.Um bom exemplo pode ser encontrado em "A Terra Devastada" de T.S. Eliot. Ao publicar esse poema em 1922, Eliot se tornou um herói para os poetas modernos porque, pela primeira vez, ele ousou ajustar a forma de sua poesia à natureza do mundo conforme ele o enxergava, isto é, corrompido, fragmentado, partido. Que forma era esta? Uma coleção de fragmentos de linguagem, de imagens e de alusões aparentemente retiradas randomicamente de toda sorte de literatura, filosofia e escritos religiosos do passado ao presenta. No entanto, os poetas modernos gostaram, pois agora tinham uma forma poética para encaixar a cosmovisão moderna da fragmentação.A inovação da pintura veio com Demoiselles d´Avignon (1907) - ver imagem ao ao lado - , cujo título vem de uma casa de prostituição em Barcelona. Picasso começou sua obra inspirando-se em outras pinturas do período, mas , como um crítico descreve, ele acabou fazendo "uma composição semiabstrata em que as formas dos nus e seus acessórios são partidos em planos comprimidos dentro de uma espaço oco". Mais especificamente, Picasso começou da esquerda pintando as formas naturalmente; chegando ao meio, ele pintou de forma semelhante aos primitivos espanhóis,; e finalmente à direita, quando estava terminando sua obra, ele pintou as mulheres apenas como formas abstratas e símbolos ou máscaras, e assim, conseguiu transformar seus temas humanos em monstros. Picasso sabia o que estava fazendo e, por um instante, o mundo parou. Foi uma expressão tão forte que, por um longo tempo, nem seus amigos a aceitaram. Nem mesmo quiseram olhar para ela. Portanto, ao pintas as mulheres, Picasso retratou a natureza estilhaçada do homem moderno. Aquilo que T.S. Eliot fez na poesia, Picasso já havia feito na pintura. Ambos merecem reconhecimento por adequar o veículo a mensagem.Contudo, nenhuma arte deve ser julgada com base apenas neste critério. Devemos enxergar toda a obra de arte à luz de sua técnica, validade, cosmovisão e adequação da forma ao conteúdo.- Francis A. Schaeffer. A Arte e a Bíblia. p. 53-60.
• 7 de outubro de 1925 — Aquele animal horroroso vem agora todas as noites. É um grande macaco, semelhante àquele de tempos atrás. Por que sinto de novo esse horrendo pavor? Não poderei acostumar-me nunca a essas aparições?
• 21 de junho de 1923— Por mais de uma hora, aquele homem terrível ficou comigo esta noite. Sem parar, corre pelo quarto. Tem cabelo preto, desgrenhado, e olhos abomináveis.• Vi sentada no cercado de galinhas aquela mulher. Seu jeito é sempre amável. Mas ela não responde. Tendo ido ao galinheiro, pude observá-la bem. Um gato veio andando em direção a ela. Ao enxergá-la, deu um pulo, assustado, para o lado. Senti-me feliz por constatar que, ao menos, o gato vê o que eu vejo.
• 9 de agosto de 1921 — Cinco horas da tarde. Vi no jardim, entre duas árvores, uma freira. Parecia estar me esperando. Pensei tratar-se de uma velha conhecida e apressei-me a ir ao seu encontro. De repente, ela desapareceu sem deixar vestígios. Retomei o caminho para ver se uma sombra de árvore me ocultara a visão. Mas não descobri nada de especial.• 13 de agosto — Dirigindo-me à igreja, a freira veio ao meu encontro.• 19 de agosto — Ela passou ao meu lado; vi, claramente, pelo hábito que vestia, pertencer às Irmãs de Mallersdorf.• 25 de agosto — Encontrei-a na escada que leva à capela.• 30 de agosto — Ela me esperava à porta.• 11 de setembro — Avistei-a no jardim.• 14 de setembro — Dei com ela na capela. Antes da missa, vi algo refletir-se na vidraça da janela à minha frente. Pensei que a janela atrás de mim não estivesse bem fechada. Virei-me, e lá estava ela.Examinei-a detalhadamente. Ela tinha os olhos grandes, escuros e muito tristes. Não estava pálida, e tinha o jeito de qualquer pessoa com quem topamos todos os dias, mas era-me totalmente desconhecida.Parecia não ter braços, e causou-me uma sensação horrível porque estava pertinho de mim.• 17 de setembro— No jardim, ela deslizou rápida ao meu lado.• 19 de setembro — Eu brincava de bola com urna criança, quando, de repente, a freira passou entre nós duas. Devo ter feito uma cara muito assustada, pois a criança perguntou-me o que eu estava vendo.• 22 de setembro— A freira estava sentada na escada da capela.• 2 de outubro — Eu estava colhendo flores. Lá estava ela na minha frente, de tamanho sobre-humano. Faltou-me ainda coragem para dirigir-lhe a palavra, e quando me havia resolvido a falar-lhe, ela desapareceu.• 7 de outubro — Infelizmente, entrou também no meu quarto. Com uma sensação desagradável, acordei. Acendi a luz; ali estava ela junto à minha cama. Transida de medo, faltaram-me forças para lhe falar. Defendi-me contra ela com água benta. Passou por cima de mim e entrou na parede. Que susto, meu Deus!• 11 de outubro— Fui deitar-me por volta de dez horas da noite. A conversa com os hóspedes fora muito boa; era a época da caça e, nem de longe, pensava nela. Acendi a luz; ali estava ela, junto à minha cama. Passei rente a ela, fui à pia de água benta, dei-lhe algumas gotas e lhe perguntei: “O que queres que eu faça?” Com olhar penetrante, fixou-me e disse, sem mexer os lábios: “Deixei de enviar vinte marcos às Missões”. Não me lembro se lhe prometi mandar aquela soma às Missões ou se apenas lho dei a entender por um gesto afirmativo de cabeça. Naquele momento, eu estava impressionada demais. Em todo caso, ela estava satisfeita, pois se aproximou muito de mim, como se quisesse dizer-me alguma coisa. Causou-me tanto medo, que a borrifei depressa com água benta, e ela desapareceu janela afora. Embora tudo tenha sido tão excitante, dormi muito bem. Os vinte marcos foram enviados às Missões e pela pobre alma foram rezadas santas missas.Tive sossego até o dia 3 de novembro, data em que me foi concedida uma grande alegria. Quando, pelas onze da noite, fui deitar-me, vi o meu quarto iluminado. Pensei que havia deixado a luz acesa, e entrei. A freira estava no mesmo lugar em que ficara na vez anterior. Mas, que diferença! Saiu dela como que uma luz radiante. Seu hábito escuro estava como que envolto em brilho. Mas o mais reluzente era a expressão de seu rosto. Acho que seus olhos já haviam visto o Bom Deus. Ela me olhou, sorrindo feliz. Pela primeira vez, vi suas mãos; estavam cruzadas sobre o peito. Seu rosto só era comparável a uma opala; não encontro outra comparação; tive uma surpresa e um susto muito grande, e tão alegre e estarrecida me senti, que não me lembrei de perguntai' outra coisa a não ser: “Como te chamas?” Muito solene, ela fez o sinal-da-cruz; o quarto ficou escuro e ela desapareceu. Por conseguinte, não fora a luz elétrica que o havia iluminado. Estou certa de que não me enganei. E impossível sentir o que eu senti se tais coisas não tivessem acontecido realmente. A aparição me parecera bem mais alta que nas outras ocasiões e, pela primeira vez, seus pés não tocavam o chão. Foi a última aparição da freira e que, por assim dizer, me abriu, talvez, os sentidos do corpo e da alma para novos encontros.- Eugenia von der Leyen. Conversando com as Almas do Purgatório; p.45-47.
A primeira xícara acaricia meus lábios e garganta;A segunda estilhaça os muros de minha triste solidão;A terceira perscruta os riachos secos de minha alma em busca de histórias contidas nas cinco mil escriturasNa quarta as dores da existência evanescem por meus poros;A quinta relaxa meus músculos e os ossos se tornam leves.Na sexta descubro o caminho que me leva aos imortais ancestrais.Ah a sétima xícara! Melhor não tomá-la!Tomando a sensação seria a de uma lufada de vento frio soprando entre as minhas asasEnquanto voo para Penglai (Ilha dos Imortais).- Lu Tong. Tea song of Yuchuan.
O chá branco é composto por folhas jovens da Camellia sinensis, cujos botões são protegidos e não sofrem oxidação (Dartora, 2010). No chá verde, logo após a colheita, o processo se inicia e as enzimas foliares são inativadas pela exposição ao calor, evitando a oxidação enzimática. No chá oolong, as folhas são cortadas ou picadas e, por efeito das enzimas presentes nessas mesmas folhas, ocorre uma oxidação parcial, mas essa reação é mais branda que no chá preto, em que a oxidação ocorre durante um período prolongado (Valenzuela, 2004; Lima et al., 2009). Antigamente acreditava-se que o processo responsável pela produção dos diferentes tipos de chá era a fermentação. Com o aprofundamento dos estudos nas técnicas de obtenção dos chás, percebeu-se que o processo não poderia ser considerado fermentativo, pois não ocorre degradação por micro-organismos e não há formação de produtos típicos da fermentação como, por exemplo, o etanol. Entretanto, ainda hoje encontramos muitos textos que relacionam a produção dos chás aos processos de fermentação.[4]
28. Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o sacerdócio e o império estavam ligados em si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.
Eu vi descer do Ceo hum Anjo, que tinha a chave do abysmo, e huma grande cadeia na sua mão. E elle tomou o Dragão, a serpente antiga, que he o Diabo, e Satanás, e o amarrou por mil annos. E metteo-o no abysmo, e fecho-o, e poz sello sobre elle, para que não engane mais as gentes, até que sejão cumpridos os mil annos: e depois disto convem, que elle seja desatado por hum pouco de tempo. (Ap 20, 1-3).
Muitos leitores do diário de Eugênia não conseguem familiarizar-se com a idéia de que certas Almas se mostrem sob forma de animais repelentes e nojentos; assim, por exemplo, quando Egolf se mostra em forma de um grande macaco “de olhos em brasa”, e Maria R. como serpente, pois “ela foi o símbolo de minha vida, juramentos quebrados, tudo mentira e fingimento”.A isso pode-se dizer: Também outros videntes, homens e mulheres, têm visto as Almas do Purgatório sob a forma de animais. Certa vez, Jesus disse a Santa Brígida da Suécia, numa visão: “O que é espiritual não te aparece tal qual é, mas em forma corpórea; para que tua mente possa compreender as verdades, elas são apresentadas em símbolos e comparações”.
O médico-chefe Dr. Kemer, de religião luterana, escreveu em seu livro Die Seherin von Prevorst, que um espírito disse à vidente de Prevorst: “Tu nos vês como é o nosso caráter”.
O Dr. Kemer fala também de outra mulher, à qual aparecia muitas vezes um espírito sob forma de animais nojentos, com a aparência de coruja, de gato, de feio cavalo etc.
José de Gõrres, o grande especialista em mística, da Universidade de Munique, escreve em sua obra Mística cristã, de cinco volumes, sobre a Irma Francisca do SSmo. Sacramento, da Ordem das Carmelitas, que “apareciam, às vezes, a essa Irmã, pessoas falecidas sob formas terríveis, mais parecendo um animal do que gente. E como, em tais casos, Francisca ficasse tão aterrorizada, a ponto de desmaiar, essas almas, no seu primeiro aparecimento, não se mostravam sob essas formas mas qual sombras flutuantes, até que ela se acostumasse ao seu aspecto animalesco”.
Os fenómenos aqui descritos ocorreram, também, em todos os detalhes, com Eugênia von der Leyen.
- Arnold Guillet. Prólogo do livro Conversando com as Almas do Purgatório; p.25-26.
—¡Pero Cristo! —gritó—. ¡Jesucristo! ¿Podéis ni siquiera concebir la idea de que aquel dulcísimo Señor de todos nosotros tolere esas cosas ni por un instante? No puedo contestarle ahora, aunque estoy persuadido de que existe una contestación; pero ¿es concebible que Aquel que dijo «no luches con el mal», que Aquel que enmudecía ante sus asesinos?…También el Padre Adrian se puso en pie. Centellaban sus ojos y estaba aún más pálido que antes. Comenzó a hablar en voz baja; pero fue elevándola hasta acabar casi a gritos, que resonaban en la reducida estancia.—Sois vos quien deshonra a Nuestro Señor —dijo—. Sufrió Él ciertamente, como algún día veréis que sufrimos nosotros, los católicos… como habéis visto ya mil veces, si algo sabéis de lo pasado. Pero ¿es acaso esto lo único que Él representa?... ¿Es solo el Príncipe de los Mártires, la Suprema Víctima del Dolor, el silencioso Cordero de Dios? ¿No habéis oído hablar nunca de la ira del Cordero; de los ojos que despiden llamas; del cetro de hierro con que hace pedazos a los reyes de la Tierra?... El Cristo ante quien vos clamáis no es nada: no es más que un Hombre vencido, del cual se separa la Divinidad…, el Príncipe de los sentimentales y de aquella antigua y perniciosa religión que en otro tiempo se atrevió a darse a sí misma el nombre de cristianismo. Pero el Cristo que adoramos nosotros es más que esto: el eterno Verbo de Dios, el Caballero de la Blanca Cabalgadura que realiza y seguirá realizando sus conquistas… Monseñor, ¡os olvidáis de cuál es la Iglesia a que pertenecéis como sacerdote! Es la Iglesia de Aquel que rechazó los reinos de este mundo que le ofrecía Satán, que Él podía ganarlos por sí mismo. Esto ha hecho. ¡Cristo reina!... He aquí lo que habéis olvidado, Monseñor. Cristo no es ya una opinión o una teoría. Es un hecho. ¡Cristo reina! Él gobierna real y verdaderamente el mundo. Y ese mundo lo sabe.Dejó de hablar un momento, temblando de cólera, y alzó después al cielo las manos.—¡Despertad, Monseñor! ¡Despertad! Estáis soñando. Cristo es nuevamente, ahora, el Rey de los hombres…, no precisamente el de los devotos, cuyo entendimiento se inclina a lo religioso. Gobierna porque este es su derecho… Y el poder civil lo reconoce y apoya en lo secular, y la Iglesia en lo espiritual. ¿Que se me condena a mí a muerte? Pues bien, yo protesto de que no se me considere inocente; pero no de que el crimen de que se me acusa se castigue con la pérdida de la vida. Protesto; pero no me lamento, no me quejo. ¿Creéis que temo a la muerte?... ¿No está ella también en Sus manos?... Cristo reina, y todos lo sabemos. ¡Y también vos debéis saberlo!Hasta el poder de sentir parecía haber abandonado al que escuchaba estas palabras… No veía ante él más que un rostro pálido, como en éxtasis, y unos ojos ardientes que le miraban con fijeza. No podía ya resistirse, rebelarse por más tiempo. Solo un gran esfuerzo impidió que se rindiera del todo. Algo enorme, inexplicable, parecía oprimirle, envolverle, amenazándole hasta con hacerle desaparecer. Tan terrible era la fuerza con que las palabras se dijeron que por un instante le pareció que surgía ante él la visión de lo que describían: una suprema y dominadora Figura, herida, en verdad, pero poderosa e imperativa en la plenitud de su fuerza: no ya el Cristo de la dulzura y de la muchedumbre, sino un Cristo que, revestido, al fin, de todo Su poder, reinaba; un Cordero que era, al mismo tiempo, un León; un Siervo que resultaba ser Señor de todo, y que, si defendía antes su derecho, mandaba ahora sin contradicción…- Pe. Robert Hugh Benson. Alba Triunfante; p. 134-135.
Infelizmente o deus dos nossos tempos é o dinheiro. Quão numerosos são os que se prostram diante dele e lhe oferecem adoração em todo tempo e lugar!O resultado é que, correndo atrás deste ídolo, esquecem o verdadeiro DEUS, e, por conseqüência, precipitam-se num abismo de desgraças e perdem toda a felicidade, enquanto que, na afirmação do profeta e rei, aqueles que buscam a DEUS antes de tudo, não caem em nenhum verdadeiro mal e têm acréscimo de todos os bens, Inquirentes Dominum non minuentur omni bono (Sl 33,11). Esta palavra se verifica ainda mais naqueles que , antes de se entregarem a seu trabalho ou a seus negócios, têm o cuidado de assistir ativa e atentamente à Santa Missa.É o que prova a história dos três negociantes de Gúbio. Dirigiram-se a uma feira que se realizava num burgo chamado Cisterno. Depois de vender suas mercadorias, dois deles começaram a pensar na volta e resolveram partir no dia seguinte de madrugada, a fim de estarem em casa ao cair da tarde. O terceiro discordou desta resolução e declarou que, sendo o dia seguinte um domingo, não se punha a caminho se antes ter assistido à Santa Missa.E exortou os outros, se queriam voltar como tinham vindo, teriam primeiro que assistir à Santa Missa; em seguida fariam uma refeição e partiriam abençoados. Além disso, se não pudessem chegar naquela mesma noite a Gúbio, não faltariam albergues confortáveis no caminho.Os companheiros não se renderam aos conselhos salutares e sensatos; mas, decididos a chegar naquela mesma noite a seus lares, responderam que DEUS havia de perdoar-lhes se pro aquela vez faltassem à Santa Missa. Assim, no domingo, antes da aurora, sem entrar sequer na igreja, montaram a cavalo e tomaram a estrada para sua terra.Em breve chegaram à torrente de Corfuone, que a chuva torrencial da noite anterior engrossara a ponto de fazer transbordar. A água, em corrente impetuosa, sacudira e deslocara bastante a ponte de madeira.Os dois negociantes meteram-se por ela com suas alimárias, mas, bem não tinham chegado ao meio, rompeu-se o madeirame à pressão da água e os dois cavaleiros precipitaram-se no rio onde se afogaram, perdendo assim dinheiro, mercadorias e a vida.Ao fragor desta catástrofe, acorreram os camponeses, e por meio de ganchos e varapaus conseguiram retirar os cadáveres que deixaram estendidos na margem, para que fossem identificados e se lhes pudesse dar sepultura.O terceiro, entretanto, que se deixara ficar para cumprir o preceito de assistir à Santa Missa, pôs-se a caminho alegre e animado. Ao chegar à mesma torrente, viu na margem os dois mortos, e por curiosidade se deteve para olhá-los. Reconheceu imediatamente seus dois amigos e ouviu emocionado a descrição da tragédia.Levantou, então, as mãos ao céu, agradecendo a DEUS que tão misericordiosamente o preservara de semelhante desgraça, e abençoou mil vezes, a hora que consagrara à Santa Missa, à qual devia estar são e salvo.Ao chegar a sua cidade, comunicou a triste notícia e excitou em todos os corações um vivo desejo de assistir todos os dias à Santa Missa.- São Leonardo de Porto-Maurício. As Excelências da Santa Missa; p. 70-72.
A presença do demónio na doutrina dos Santos Padres é tal que se poderia fazer uma tese de doutoramento sobre o tema em cada um deles. A doutrina do Novo Testamento aparece neles repetidamente ampliada pelo interesse que têm de pesquisar na natureza dos demônios, no pecado que cometeram, bem como na sua incidência na vida espiritual. Como é lógico pensar - tendo em conta a doutrina do Novo Testamento - não existe um único Padre que tenha duvidado da existência do demônio, bem como do seu carácter pessoal. A crença nele é pacífica e universal, algo de que não se pode duvidar. Para eles, seria impensável levantar-se a dúvida. Como disse Gozzelino, a realidade dos espíritos bons e maus que influenciam no mundo constitui um dado absolutamente óbvio e pacífico, que nas suas consequências se manifesta como um dado de fé e de vida cristã.Uma vez que devido à extensão desta obra não podemos apresentar um estudo de cada um dos Padres, limitamo-nos a fazer um resumo da sua doutrina, assinalando o contributo específico dos mesmos. Já Melitão de Sardes escreveu um livro sobre o demónio no séc. II.Sobre esta matéria deve dizer-se que os Padres tiram a sua doutrina da Bíblia, embora se descubra também neles uma certa influência judaica e até helenística. Já no século IV, quando se abandonou a leitura dos apócrifos, se verifica nos Padres, comenta Lavatori alguma purificação das fantasias demonológicas para se concentrarem expressamente no que a Bíblia ensina e diz.Os Padres apologetas desenvolvem uma doutrina sobre o demónio numa dupla direcção: declarando que a idolatria, a magia e a adivinhação são meios com os quais os demónios procuram impedir a evangelização cristã, e explicando também que a origem do mal não se deve à má natureza do homem criado, mas ao mau uso que o primeiro homem fez da sua liberdade.Para rebater o gnosticismo, era preciso esclarecer a questão da origem do mal. E é neste sentido que os Padres apologetas tratam o pecado original e a acção sedutora do demónio. Mais à frente Orígenes adverte: «É impossível conhecer a origem do mal sem conhecer os ensinamentos sobre o diabo e sobre os seus anjos, isto é, o que ele foi antes de se tomar diabo, e também a razão pela qual os seus anjos participaram na sua apostasia».Uma coisa que não levanta dúvida nos ensinamentos dos Santos Padres é que os demónios são criaturas de Deus que se revoltaram contra Ele. Isto era já ponto assente pela Sagrada Escritura, mas os Padres têm que voltar frequentemente a este ponto para se defenderem do maniqueísmo dos primeiros séculos. Santo Ireneu, por exemplo, tem de defender a criaturalidade dos anjos contra a gnose do século II, rejeitando a identificação que esta fazia dos diabos com os eons divinos de cariz neoplatónico. Os apologetas do século II vão também nessa mesma direcção.Santo Agostinho teve que se confrontar com a concepção maniqueísta (que ele tinha partilhado antes da sua conversão) e que hipostasiava o mal fazendo dele um princípio eterno e subsistente com a mesma essência que o princípio do bem. Santo Agostinho explica que o mal não é uma substância (pois toda a substância criada por Deus é boa), mas uma deficiência que existe nos seres criados. É a privação de um bem devido que, como privação, acontece em algo que por si só é bom. Assim, o demónio foi criado bom. Era um anjo bom que prevaricou com o seu pecado. Tornou-se mau, portanto, por causa do mau uso que fez da sua liberdade.Por isso, os Santos Padres falam extensamente do pecado dos anjos. E é neste capítulo que se nota melhor a influência judaica. Baseando-se no primeiro livro de Henoc, a teoria inicial dos Padres para explicar o pecado angélico é apresentá-lo como um pecado de luxúria (pecado cometido com as filhas dos homens). Assim o explicam Santo Ireneu, Justino, Atenágoras, Clemente de Alexandria, Tertuliano e Lactâncio, entre outros.A partir do século IV, comentam Flick e Alszeght, os Santos Padres realizam uma reflexão mais profunda sobre a natureza espiritual dos anjos que rebate a explicação anterior. São João Crisóstomo, por exemplo, diz que é blasfémia falar do pecado da luxúria a partir do Gn 6,4, dado que os anjos pecaram antes de Adão e que a sua natureza incorpórea não permitia esse tipo de pecado.Por isso se vai impondo entre os Padres uma segunda teoria que explica o pecado dos anjos relativamente à dignidade concedida por Deus ao homem. Alguns anjos, dizem, tiveram inveja do homem e recusaram reconhecer e reverenciar nele a imagem de Deus. Assim se explicam Ireneu, Tertuliano, Cipriano, Gregório de Nisa e Santo Agostinho, entre outros.Já no século XVI, Suarez explicou que a origem do pecado dos anjos foi a inveja contra o Filho de Deus, Deus e Homem, enquanto se negaram a reconhecer n'Ele a sua cabeça. Esta explicação, não o podemos negar, é no mínimo sugestiva, dado que o homem ia participar, nos planos de Deus, da glória do Seu Filho como centro da história e do cosmos. Esta teoria, assim exposta, estava muito próxima da terceira opinião dos Padres que explicam a queda dos anjos como um pecado de soberba. Seria o desejo de serem iguais a Deus, comprazendo-se desordenadamente da sua própria perfeição. Assim pensaram Tertuliano, Orígenes, Gregório Nazianzeno, Atanásio, Cirilo de Alexandria, Ambrósio e Agostinho entre outros. Os anjos tinham sido criados para servir Cristo e o seu plano de salvação para os homens.H. Spaemann, um filósofo dos nossos dias, junta-se às teorias dos Padres ao afirmar: «Deus incarnou no homem e a condenação de Satanás é causada por ele ter rejeitado a decisão de Deus que não só Se quis tornar homem, viver como homem e, deste modo, ajudar os homens, mas quis também encomendar aos anjos a tarefa de estarem ao serviço dos homens».Os Padres, logicamente, foram mais além da Sagrada Escritura com a intenção de explicar e compreender (por outro lado, essa intenção é lógica) a queda e o pecado dos anjos.Outra das características da doutrina dos Padres sobre o demónio é a perspectiva cristológica com que tratam o tema. O problema do mal, observa Lavatori, não se soluciona apenas a partir da perspectiva filosófica, que acha que ele é a privação de um bem devido, mas soluciona-se também a partir de Cristo. Os Padres sublinham sempre a vitória de Cristo. S. Justino, por exemplo, mostra sempre a vitória de Cristo sobre o demónio não apenas na altura das tentações, mas sobretudo na paixão e na ressurreição. Santo Ireneu, que fala do demónio como de um anjo apóstata, diz que Cristo entrando na guerra que este inimigo fez contra nós, teve que se enfrentar com ele no início do seu ministério. Santo Agostinho, no livro De civitate Dei, apresenta a luta entre as duas cidades como uma luta que tem origem no céu, quando os anjos se dividiram. Vê no pecado como que uma espécie de corpo místico do diabo. Vencido por Cristo, o diabo continua ainda a lutar contra a Igreja.A demonologia dos Padres insere-se nitidamente no mistério de Cristo. Santo Ireneu, por exemplo, contrapõe a acção redentora de Cristo à obra negativa realizada por Adão. E a redução cristológica que o tema apresenta no Novo Testamento é algo que também se nota nos Padres.O problema do mal só encontra a sua resposta cabal e definitiva em Cristo.É neste contexto que os Padres apresentam Cristo como Aquele que paga ao demónio os direitos que ele tinha adquirido sobre o homem. Mas é necessário distinguir sempre esta forma de entender o mistério (forma discutível) da afirmação de fundo segundo a qual Cristo nos redimiu do poder do diabo.Os Padres sublinham constantemente a redenção como libertação de Satanás. Este assunto, comenta Galot, apresenta-se de várias formas. É raro que se apresente o sangue de Cristo como algo que se paga ao demónio, «a quem tínhamos sido vendidos pelos nossos pecados», comenta Santo Ambrósio, o que é dificilmente compatível com o princípio de que o sacrifício de Cristo foi oferecido ao Pai e não ao demónio. Ora bem, é frequente nos Padres a teoria do direito do demónio, que Cristo satisfez com a sua redenção.Os Padres, lembra Lukken, descreveram o domínio de Satanás sobre a humanidade, a partir do pecado original, com a imagem da escravidão, tirada do mundo profano. Neste sentido, dizem que o demónio se apoderou da humanidade, e adquiriu direito de propriedade sobre ela a partir do pecado de Adão. Deste modo, chegam à teoria dos iura diaboli, de acordo com a qual a redenção de Cristo aparece como um resgate, no sentido literal da palavra.Este tema está também presente em Ireneu e em Orígenes. É uma teoria que, através de S. Jerónimo passa para o Ocidente e encontramo-la principalmente em Santo Ambrósio. De acordo com ele, o homem caído tem uma dívida com Satanás. Cristo redimiu-nos dessa dívida, de maneira que agora somos d' Ele devedores. É uma teoria que, com matizes diversos, se tornou clássica e podemos encontrá-la em João Crisóstomo, Cirilo de Alexandria, Teodoreto e João Damasceno.Em Santo Agostinho, essa teoria está unida à ideia do abuso do poder realizado pelo demónio, que quis exercer sobre Cristo um direito que tinha apenas sobre os pecadores.Segundo Galot, esta teoria propagou-se, não só na teologia latina, como na oriental. Galot relembra ainda como se espalhou entre os Padres a teoria da desforra: era conveniente que Deus obtivesse a vitória do mesmo modo que o demónio obteve a sua; isto é, por meio de um homem nascido de mulher. Nessa teoria, surge também por vezes, a ideia da armadilha lançada ao demónio.Sem dúvida, que todas estas imagens apresentam grande dose de metáfora. Os próprios Padres, quando falam dos direitos do demónio, utilizam termos como tamquam, velut, que relativizam um pouco as suas expressões, porque, como comenta Lukken, «em última análise, o domínio de Satanás depende do próprio Deus, que entregou o homem a Satanás depois da queda». Existe, portanto, muita metáfora em tudo isto, mas, «apesar das suas imperfeições - comenta Galot - os textos patrísticos contêm um dado que não se pode deixar de ter em conta. Sublinham um aspecto do drama redentor que o pensamento moderno muitas vezes tem tendência a passar por alto ou a deixar esquecido: a luta com os poderes espirituais do mal. Ao insistirem nesta luta, os Padres não fazem senão recolher uma ideia essencial da Escritura: Cristo libertou a humanidade por meio do triunfo sobre Satanás despojando-o do seu poder escravizante. As metáforas patrísticas tendem a colocar-nos diante dos olhos a grande verdade de que a nossa salvação foi conseguida através da vitória de Cristo sobre aquele que submetera a humanidade à servidão do pecado. Assim como antes o demónio tinha arrancado a humanidade da amizade divina, Cristo libertou a humanidade do poder do demónio. O demónio foi vencido ali mesmo onde tinha triunfado provisoriamente: no coração do homem».Juntamente com os ensinamentos anteriores, expressos às vezes através de metáforas, existe nos Padres a convicção, de que por causa do pecado original, o homem fica sujeito ao demónio enquanto não for regenerado nas águas do baptismo. É esta a ideia que os Padres desenvolveram, principalmente, em ligação com o Baptismo.Não nos podemos alongar sobre este tema que desenvolvemos noutro lugar. À maneira de exemplo limitamo-nos a citar dois textos: um de Santo Ireneu e outro de Santo Agostinho. Santo Ireneu falou deste modo: «Nós éramos os seus vasos e a sua casa (do diabo), estando como estávamos em apostasia. Porque nos usava à sua vontade, e o espírito imundo habitava em nós». E mais à frente acrescenta: «Uma vez que no início o diabo persuadiu o homem a transgredir o preceito, manteve-o sobre o seu poder, mas o seu poder é transgressão e apostasia e com elas amarrou o homem ... Depois o Verbo prendeu o demónio como seu escravo e destruiu os seus vasos, quer dizer, aqueles que o diabo dominava e dos quais se servia injustamente. E assim ficou justamente cativo aquele que tinha prendido o homem injustamente, e o homem que antes tinha estado cativo foi libertado do poder do possuidor, segundo a misericórdia de Deus Pai».Textos como estes são abundantes no próprio santo Ireneu e nos apologistas, Tertuliano, Orígenes, Ambrósio, Ambrosiaster e em Agostinho entre outros. Dada a intenção deste capítulo, limitamo-nos a outro texto de Agostinho: «Fica nelas (nas crianças) o pecado original, pelo qual ficam cativas sob o poder do diabo, até serem redimidas pelo sangue de Cristo no banho da regeneração, e deste modo passem para o Reino do seu Redentor, sendo vencido o poder do seu dominador, e dando -lhes o poder de que, de filhos da ira que eram, passem a ser Filhos de Deus». Os textos de Santo Agostinho que se poderiam citar são inúmeros.Nesta altura queremos apenas realçar que este é em muitos casos o modo como os Padres entendem o pecado original. O P. Orbe, ao estudar Ireneu, escreveu, por exemplo: «O drama do pecado original não acontece per se entre Deus e o homem, mas entre Deus e o anjo do mal . O homem revela o drama, como a primeira ocasião avaramente aproveitada pelo diabo. Mas já aqui se percebe o desenlace. Acabará com o bem do homem e o mal do diabo, para vitória de Deus».É verdade que o diabo, já vencido por Cristo, continua a actuar no mundo e na Igreja. Está condenado e vencido, mas continua a agir ainda contra a Igreja até à segunda vinda de Cristo, altura em que será definitivamente expulso para o inferno. Pois bem, a condenação do demónio, já é definitiva. Foi Orígenes quem, no entanto, pensou que o inferno, o inferno dos demónios e dos condenados, seria algo puramente temporal. Por certo que no século III, Orígenes introduz a doutrina da apokatástasis, de acordo com a qual os ímpios, depois de um castigo temporal, ficariam definitivamente salvos. A maior parte dos Padres contemporâneos de Orígenes mantiveram, no entanto, a doutrina tradicional. E o pensador de Alexandria foi condenado no sínodo Endemousa (em Constantinopla) no ano 543, depois de Padres como Santo Agostinho terem rejeitado completamente a sua doutrina como contrária às palavras de Cristo. A partir do referido Sínodo, o consentimento dos Padres, tanto orientais como ocidentais, foi unânime. S. Jerónimo, que a princípio tinha defendido a ideia de Orígenes, mais tarde atacou-a com decisão.Finalmente, na doutrina dos Padres sobre o demónio aparece uma preocupação espiritual no sentido de que se preocupam pela influência que o demónio tem nas almas e na direcção espiritual. Os Padres, principalmente no meio monástico, dão conselhos aos cristãos na luta contra as forças das trevas. Evágrio Pôntico e Cassiano são, talvez, os autores mais importantes na demonologia monástica, comenta Iraburu. Os demónios são anjos caídos que atacam os homens nos seus níveis mais vulneráveis - corpo, sentidos, imaginação - mas que nada podem sobre o homem se este não lhes der o seu consentimento. Para o seu cerco servem-se principalmente dos logismoi - pensamentos, paixões, impulsos desordenados e persitentes - que se podem reduzir a oito: gula, luxúria, avareza, tristeza, cólera, preguiça, vaidade e orgulho. Mas nos seus ataques não podem ir para além do que Deus permite.As tentações do demónio são subtis, dado que ele sabe revestir-se de anjo de luz e mostrar o mal como bem.O cristão deve resistir com «a armadura de Deus» que o apóstolo descreve (Ef 6, 1 1 -18), e muito especialmente com a Palavra divina, a oração e o jejum, que foram as armas com que Cristo resistiu e venceu nas tentações do deserto. Mas deve resistir sobretudo apoiando-se em Jesus Cristo e nas suas legiões de anjos (Mt 26,53). Como disse S. Jerónimo, «O próprio Jesus, nosso chefe, tem uma espada, e avança sempre à nossa frente, vencendo os nossos adversários. Ele é o nosso chefe: lutando Ele, vencemos nós».Os santos padres entraram certamente na reflexão quanto à natureza dos demónios. Neles é completamente rejeitada toda a concepção dualista do diabo já que é uma criatura de Deus. Por outro lado, orientam-se progressivamente para uma concepção espiritual da sua natureza, comenta Lavatori, uma vez que na sua origem são considerados como anjos bons. São portanto, seres espirituais. No entanto, às vezes é-lhes atribuído um corpo aéreo e subtil, com certeza para justificar as suas aparições. «A concepção mais comum - comenta Lavatori -é a de uma imaterialidade relativa, no sentido de que os demónios têm um corpo mais espiritual que o humano, mas não se podem definir como privados de toda a dimensão material ». Como diria Santo Agostinho, têm um corpo aéreo.Uma vez que não têm a visão do Verbo, têm um escasso conhecimento de Deus e dos homens, embora tenham uma inteligência e poder superiores. Não podem conhecer o espírito interior do homem, mas antes conjecturá-lo pelos sinais externos, diz Santo Agostinho.Usam o seu poder, superior ao do homem, sobretudo para afastar os homens de Deus, incitando-os ao pecado, à idolatria, à mitologia e à corrupção da sã doutrina, através da heresia.No entanto, a acção nefasta do demónio não é ilimitada, porque como todas as criaturas, está submetida ao poder e obra de Deus de acordo com a providência divina. O demónio pode influenciar no homem através do seu corpo e da sua fantasia, mas não pode coagir a liberdade humana. O livre arbítrio é um elemento constitutivo de cada criatura intelectual, quer seja angélica ou humana, e isto, comenta Lavatori constitui um ponto firme e insuperável. É a defesa que os Padres fazem do homem como criatura de Deus, feita à sua imagem e semelhança, que continua a ser livre apesar de tudo.- José António Sayés; O Demônio: Realidade ou Mito?; p.59-70.