A ordem das disciplinas requer que vamos do mais claro e mais notório ao menos claro e menos notório, e do que é princípio e causa ao que é consequência e efeito. Como todavia nossa inteligência é demasiado imperfeita, podemos considerar a ordem das disciplinas de dois modos: ou segundo a própria natureza delas, ou com relação a nós. Daí que, considerando as ciências em si mesmas, haveria que estudar primeiro a Metafísica, depois a Física, depois a Lógica e por último a Gramática. E isso é assim porque, segundo a ordem de natureza, primeiro devemos conhecer o ente enquanto ente (o sujeito da Metafísica), depois o ente móvel (sujeito da Física Geral), depois a ordem que nosso intelecto deve adquirir para adequar-se às coisas (o sujeito da Lógica), e finalmente a arte com que devemos significá-las pelas palavras (a Gramática).Considerando no entanto estas disciplinas com relação a nós, cujo conhecimento discursivo deve partir do mais fácil e mais manifesto quoad nos (quanto a nós), havemos de aprender primeiro a Gramática, depois a Lógica, depois a Física e por fim a Metafísica. Mas isto não suprime aquilo, razão por que não podemos ter perfeito conhecimento da Gramática sem dominar a Lógica, nem podemos ter perfeito conhecimento da Lógica e da Física sem conhecer suficientemente a Metafísica. Por conseguinte, a ordem das disciplinas quoad nos supõe um aprendizado imperfeito das primeiras ciências e requer, depois de termos alcançado a Metafísica, que voltemos àquelas para enfim conhecê-las melhor ou perfeitamente. O bom método supõe, assim, um estudo circular, ou antes, helicoidal. Mas tal circulação jamais termina, porque a Metafísica – de que todas as demais ciências alcançáveis pela luz da razão não são, em verdade, senão partes potenciais – não é ciência humana: é ciência divina, e não a conseguiremos dominar perfeitamente senão com a visão beatífica (se nos salvarmos).
Ademais, algumas das disciplinas são subordinadas ou subalternadas a outras, assim como a ciência da espécie se subalterna à ciência do gênero, ou como a Música se subalterna à Matemática, ou como a Gramática se subalterna à Lógica, razão por que o músico perfeito é o músico-matemático e o gramático perfeito é o gramático-lógico.
E qual será o mestre perfeitíssimo? Aquele que, tendo já galgado todos os degraus da escada da sabedoria e tendo alcançado a Metafísica, já pôde também descer a escada e compreender mais perfeitamente os degraus sucessivamente inferiores – e por isso é capaz de levar pela mão os discípulos escada da sabedoria acima, voltando sempre um degrau abaixo para fazê-los enfim compreender melhor a ciência inferior.
Pois bem, darei aqui de modo o mais sumário possível o quadro da ordem das disciplinas quoad nos e pois sua ordem pedagógica.[1]
• A Gramática (ou seja, a arte da escrita), que como dito é subalternada à Lógica.
• A genérica Ciência da Arte do Belo (ciência prática), subalternada – multiplamente – a disciplinas também posteriores: a Lógica, a Física Geral, a Psicologia ou Antropologia, a Ética e a Política, e a Teologia Sagrada.[2]
OBSERVAÇÃO. São as seguintes as espécies atuais da Arte do Belo (ou seja, o gênero de artes que fazem propender ao bem e à verdade): a Literatura, o Teatro, o Cinema, a Música, a Dança, a Pintura, a Escultura, por vezes a Arquitetura. Assinale-se porém que todas elas são subalternadas não só à Ciência da Arte do Belo, mas também à Lógica e às Ciências Naturais (e a Música, a Pintura, a Escultura e a Arquitetura ainda às Matemáticas), ou seja, igualmente a disciplinas posteriores.
• A Retórica (ou seja, a arte de fazer suspeitar a verdade).
• A Dialética (ou seja, a arte de alcançar a opinião mais provável).
• A Sofística (ou seja, a arte de evitar as falácias).
OBSERVAÇÃO: a Arte do Belo, a Retórica, a Dialética e a Sofística são partes potenciais da Lógica. Até pouco tempo atrás seguimos o parecer expresso pelo Padre Álvaro Calderón em seu indispensável Umbrales de la Filosofía, a saber, que as partes potenciais da Lógica devem aprender-se e ensinar-se depois desta. Hoje, adotamos a ordem exposta aqui.[3]
• A Lógica (ou seja, a ciência-arte propedêutica a todas as demais ciências e a todas as demais artes). São partes integrais suas:
a) o Tratado dos Predicáveis;
b) as Categorias ou Predicamentos;
c) os Análogos – e os Análogos Supremos (os Transcendentais);
d) O Tratado da Proposição;
e) O Tratado da Figura do Silogismo;
f) O Tratado da Demonstração.
OBSERVAÇÃO 1. Grande parte do alcançado na ciência da Lógica requer complementação definitiva na Metafísica.
OBSERVAÇÃO 2. Após a Lógica, podem dar-se os primeiros passos nas ciências práticas do agere: a Ética, a Econômica e a Política. Mas somente os primeiros passos, pela razão que se verá mais adiante.
• A Física Geral (ou seja, a ciência genérica do ente móvel). Vêm em seguida as ciências que são como partes subjetivas da Física Geral:
a) a Cosmologia ou Física Especial (ou seja, a ciência física do ente segundo o lugar);
b) a Química (ou seja, a ciência física do ente segundo a geração e a corrupção);
c) a Biologia (ou seja, a ciência física do ente segundo o aumento e a diminuição);
d) a Psicologia (ou seja, a ciência física do ente segundo alteração).
OBSERVAÇÃO. Se todavia se trata da alma humana, então a Psicologia se torna Antropologia e está de certo modo a cavaleiro entre a Psicologia geral e a Metafísica. Ademais, só depois do estudo da Antropologia é que se podem dar os passos definitivos nas ciências do agere, porque não podemos saber o que o homem deve fazer sem que saibamos previamente o que e como é sua alma.
• As Ciências Práticas do Agere:
a) a Ética (ou seja, a ciência do autogoverno);
b) a Econômica (ou seja, a ciência do governo doméstico e de seu desdobramento na pólis);
c) A Política (ou seja, a ciência do governo da pólis).
OBSERVAÇÃO 1. A Prudência docens ou Ética é verdadeira ciência (prática), mas não é arte de modo algum, enquanto a Prudência utens ou Prudência propriamente dita não é ciência de modo algum, mas se diz arte em sentido amplo.
OBSERVAÇÃO 2: a arte do Direito subordina-se a duas ciências práticas do agere: a Econômica e a Política.
OBSERVAÇÃO 3: a História supõe uma complexa discussão que faremos também num futuro livro nosso: Da História e Sua Ordem a Deus. Diga-se por ora, todavia, que em primeira instância a História é disciplina auxiliar da Política.
• As Matemáticas (ou seja, as ciências do ens quantum).
• Por fim a Metafísica, ou Filosofia Primeira, ou Teologia Filosófica (ou seja, a ciência do ente enquanto ente).
Mas e a Teologia Sagrada ou Sacra Teologia (ou seja, a ciência de Deus enquanto Deus ou sob a razão de Verdade divina)? Há que dizer que esta Teologia é a única das ciências que é tanto especulativa como prática (conquanto antes especulativa que prática), mas cujos princípios não se alcançam pelas luzes da razão: são-nos dados por revelação divina. Por isso mesmo, no entanto, seus princípios não o podem ser de nenhumas ciências especulativas subalternadas, conquanto com respeito a todas as demais ciências especulativas a Teologia Sagrada imponha balizas, limites e remates.[4] É a última das ciências na ordem do aprendizado e do ensino.
[1] Este assunto é aprofundado em alguns livros nossos, como a Suma Gramatical da Língua Portuguesa (É Realizações), Da Arte do Belo (Edições Santo Tomás) e três opúsculos de Do Papa Herético (Edições Santo Tomás): “Das Artes Liberais: A Necessária Revisão”, “Gramática, Arte Subordinada à Lógica”, “Das Complexas Relações entre Fé e Razão e entre Filosofia e Teologia Sagrada”. – Ademais, nossa Escola Tomista, curso on-line, segue pouco mais ou menos esta mesma ordem ao longo de seus cinco anos de duração (ou seja, ao longo de suas cerca de 250 aulas).
[2] Estritamente falando, a Teologia Sagrada só subalterna as ciências práticas, quer as do agere, quer as do facere (como se mostra no livro Da Arte do Belo). – Mas este ponto, em que nosso parecer se choca com o parecer de muitos tomistas, requer aprofundamento, o que faremos, se Deus quiser, num livro futuro (Lições Metafísicas).
[3] O que também se explicará no referido e futuro Lições Metafísicas.
[4] Cf. nosso já citado “Das Complexas Relações entre Fé e Razão e entre Filosofia e Teologia Sagrada”. – E relembre-se: se a Teologia Sagrada não pode subalternar nenhuma das demais ciências especulativas, fá-lo, sim, às ciências práticas do agere e à Ciência da Arte do Belo, como dito em nota supra.
- Carlos Nougué. Estudos Tomistas Opúsculos II; A Ordem das Disciplinas; p. 127-131.
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